Publicado em 27 de setembro de 2018
Atualizado em 27 de setembro de 2018
Maria Luísa é uma bebê que, antes mesmo de nascer, já tinha uma história emocionante de luta pela vida. Com pouco mais de 22 semanas em gestação, foi diagnosticada com atresia mitral com hipoplasia severa do ventrículo esquerdo, uma anomalia gravíssima em que o lado esquerdo do coração é pouco desenvolvido e a válvula mitral apresenta uma má formação que restringe o fluxo de sangue dentro do órgão.
“É uma cardiopatia congênita complexa e incompatível com a vida”, resume Décio Salvadori Júnior, médico cardiologista que liderou a equipe que cuidou de Maria Luísa no Hospital BP.
A correção de cardiopatias graves como essa geralmente é feita por meio de uma série de cirurgias que começam ainda no período neonatal. Nesse caso, no entanto, como o sangue não passava adequadamente do lado esquerdo para o direito do coração e deste para o pulmão, onde é oxigenado, a possibilidade de Maria Luísa sobreviver ao nascer para que então pudesse ser tratada era mínima.
Para garantir essa chance, os médicos do Hospital BP decidiram, então, fazer um procedimento poucas vezes realizado no Brasil e inédito na instituição: uma punção intracardíaca fetal, que consiste em inserir uma agulha pela barriga da mãe, atravessar o útero, tórax do bebê e atingir o coração para criar uma comunicação interatrial com o intuito de favorecer a passagem de sangue do lado esquerdo para o direito.
“Nós conversamos com os pais, eles estavam cientes da gravidade e de todos os riscos de uma intercorrência, inclusive do óbito, mesmo com todos os parâmetros calculados. Mas eles também entenderam que era a única chance que a bebê tinha e optaram por fazer o procedimento”, lembra o cardiologista.
O procedimento
O procedimento, que durou mais de 4 horas e foi realizado em 19 de março deste ano, começou com a mãe sendo anestesiada. Guiados pelas coordenadas do especialista em imagens via ultrassonografia Fabricio Camargo, a cirurgiã obstetra fetal Denise Lapa puncionou o útero e anestesiou o feto para que ele permanecesse numa posição favorável para a punção do coração. Na sequência, os cardiologistas intervencionistas Raul Arrieta, Germana Coimbra e Decio Salvadori puncionaram o coração fetal e atingiram o septo interatrial. Por dentro da agulha, um balão que é utilizado nos procedimentos de angioplastia foi levado e encaixado na membrana septal. Com cuidado, o dispositivo foi insuflado até atingir 4,5 milímetros diâmetro, abertura que melhorou o fluxo sanguíneo entre as partes do coração. “Nessa fase da gestação o coração é muito pequeno, do tamanho de uma moeda. Foram movimentos de absoluta precisão. Se a agulha avançasse um milímetro a mais que o necessário, poderia ocasionar danos críticos a outras estruturas do coração. Mas foi um sucesso”, comemorou Décio Salvadori Junior.
Alta e uma nova perspectiva
O sucesso da cirurgia se repetiu na recuperação: 24 horas depois do procedimento a gestante recebeu alta. Segundo o médico, há casos de pessoas com mais de 20 anos de sobrevida, que fizeram um procedimento semelhante, foram operados ao nascer, e hoje estão vivendo com a possibilidade de acesso a outros tratamentos. “Hoje pode não existir um procedimento especifico, mas a ciência evolui em uma velocidade surpreendente. A cada dia são desenvolvidas novas técnicas, medicamentos, tecnologias e pode ser que surja um procedimento que resolva esse problema de uma vez por todas. O que nós fizemos foi dar essa oportunidade a essa criança”, explica o cardiologista.
Emoção e referência
Décio Salvadori Júnior não disfarça a emoção ao falar do trabalho realizado pela equipe que fez a punção intracardíaca fetal. Segundo ele, foram menos de dez procedimentos como esse realizados com sucesso no Brasil. Para o médico, além do talento, dedicação e expertise demonstrados pela equipe, a retaguarda e o respaldo de uma instituição de referência como o Hospital BP foram decisivos para o êxito em um caso tão complexo. “Estou na Cardiologia do Hospital BP desde 1982 e ao participar de um feito inédito como esse senti uma emoção que há muito tempo eu não sentia. Poucos hospitais no País estão preparados para realizar este procedimento com segurança”, finaliza.